No Dia do Escritor, servidores da Prefeitura do Rio mostram seus talentos literários

Publicado em 25/07/2019 - 18:14 | Atualizado em 21/11/2019 - 12:33
Wagner Xavier, o guarda poeta / Marcos de Paula / Prefeitura do Rio

Escritor underground, anônimo. Em sua autoanálise, o servidor Wagner Xavier pode até se descrever assim. Mas, andando pelas ruas de Paquetá, onde dá expediente desde 2016, ele não passa despercebido. A população da ilha sabe bem que é o Guarda Poeta, que costuma publicar seus escritos no jornal local e já apresentou seus textos para alunos da Escola Municipal Pedro Bruno, que fica no bairro. Wagner, no entanto, não é o único funcionário da Prefeitura do Rio com inclinações literárias. Pelas secretarias e órgãos públicos costumam circular outros poetas e, ainda, autores de livros infantis e até sobre samba. Uma turma talentosa e criativa, que merece homenagem neste 25 de julho, Dia do Escritor.

Wagner Xavier, guarda municipal

Filho de um funcionário de editora de livros, Wagner sempre teve estante cheia em casa. Apaixonado por filosofia desde garoto, ele conta que aos 13 anos começou a produzir seus próprios textos, até como uma forma de se mostrar para o mundo. Mas a música, principalmente de ídolos como Renato Russo, Cazuza e Guilherme Isnard, também serviu de referência para seus trabalhos.

– Eu era muito ostracista. Escrever era a forma de externar meus medos, minha ansiedade. Foi uma inquietude, questão da existência – conta o guarda municipal, de 50 anos, há 27 na corporação.

Desde a adolescência, Wagner calcula ter escrito mais de 500 poesias. São tantos textos que ele admite ter dificuldade para selecionar quais vão entrar em seu primeiro livro, que já tem nome: “Imagens e palavras”.

– Demorei muito a me aceitar como poeta, achava que era muita audácia da minha parte. Mas hoje as pessoas me reconhecem assim – diz Wagner, que costuma expressar sentimentos em suas poesias, entre eles insatisfação, tristeza e fragilidade. – Não são textos melancólicos. Acredito que muitas pessoas não conseguem se expor desse jeito, mas se identificam com o que escrevo. Minha poesia consegue ler as pessoas.

Em “Vitrines”, por exemplo, ele faz uma reflexão sobre a existência do ser humano:

“Vida, passos largos na estrada, uma história a ser contada, antes do amanhecer. Vida parece tão apressada, desafiando o absurdo, horas que viram minutos nem chegando entardecer. Vida, contemplada no espelho, o tempo passa e percebo nada é efêmero ou passageiro. Vida, tudo tem o seu valor, momentos de cura ou de dor, pulos de alegria e também torpor. Vida, o tumulto da cidade, ou o campo acolhedor, vanguarda de paisagem, a lembrança de passagem, do que de bom armazenou. Vida, entre fios e escolhas, a espada gladiante, que não fere e nem sangra, imaginário que encanta a síndrome de vencedor. Vida, o amor que se emana, o doar além da cama, do que se eternizou o carinho de uma palma, aclamando com a alma, quem sempre nos alforriou. Vida, a transparência da vitrine, do que se admirou a poesia que redime o coração que perdoou”.

Lucas Aleixo, funcionário da RioSaúde
Lucas Aleixo, funcionário da RioSaúde. Foto: Hudson Pontes/Prefeitura do Rio

Lucas Aleixo, funcionário da RioSaúde

Aos 22 anos, o funcionário da RioSaúde Lucas Aleixo também escreve poemas. Mas seu primeiro livro, “O mundo pelas lentes do poeta”, lançado em janeiro pela editora Multifoco, é assinado por Bento. Seu “nome do meio” acabou sendo pinçado justamente para distanciá-lo da vida profissional, como fiscal de contratos do Hospital Municipal Rocha Faria.

– Quando falo sobre meu livro gera curiosidade. Perguntam: “você é aquele da prancheta, que fica cobrando das pessoas, e faz poesia?” Sempre tem espanto, mas querem ler – diz Lucas, que escreve desde os 8 anos. – No início, não conseguia entender como isso se encaixaria na minha vida. Mas hoje vejo que ajuda na escrita, consigo desenvolver melhor minhas ideias, melhorou a fala, meu modo de lidar com as pessoas.

Mary Macedo, Subsecretária Executiva da Fazenda
Mary Macedo, Subsecretária Executiva da Fazenda. Foto: Marcos de Paula/Prefeitura do Rio

Mary Macedo, Subsecretária Executiva da Fazenda

Subsecretária Executiva da Fazenda, Mary Macedo também tem uma produção literária que em nada lembra sua atividade na Prefeitura. Ela escreve livros infantis e, nas capas, também exibe nome e sobrenome diferentes dos que apresenta profissionalmente: Rose Carvalho.

– Escrevo há muito tempo, mas falta tempo para mandar ilustrar, editar – conta Mary.

Apesar da correria do dia a dia, ela publicou “O rei inglês” e “O tesouro do reino”, e, em outubro, para o Dia das Crianças, pretende lançar “A bruxa da livraria”.

– “O tesouro” escrevi para minha filha Júlia, na época com 7 anos. Hoje ela tem 15. Fala sobre o que as pessoas têm para oferecer e que nem sempre o lado financeiro é o mais valioso. “O Rei” também é inspirado num personagem que comia demais, desperdiçava comida e não pensava no seu povo. Para mim, que sou uma pessoa mais dura, séria, escrever é um momento de trégua – diz a subsecretária, lembrando que trabalhar para crianças requer muito cuidado. – São muito sábias. Para escrever para elas tem que voltar a ser criança. Se você não sentir isso, não consegue convencer a criança.

Willian de Jesus de Melo, guarda municipal
Willian de Jesus de Melo, guarda municipal. Foto: Marcelo Piu/Prefeitura do Rio

Willian de Jesus de Melo, guarda municipal

No caso do guarda municipal Willian de Jesus de Melo, seus livros retratam bem o que ele vive no dia a dia, quando não está dando expediente nas ruas da cidade. Também conhecido como Partidinho da Mangueira, o servidor é da ala de compositores da Estação Primeira e já escreveu dois livros sobre samba (“As 12 mais do Partidinho no partido alto da Mangueira” e “As 12 mais do Partidinho nos sambas que embalaram a Mangueira”). O terceiro está a caminho: “As 12 mais do Partidinho nas eliminatórias de samba enredo da Mangueira”.

– Meus livros contam um pouco da evolução do Morro da Mangueira por meio da música. Sou nascido e criado na comunidade e há 35 anos faço parte da ala de compositores da escola – diz Willian.

De acordo com o servidor, seus amigos da Guarda já leram seus livros e comentaram as histórias:

– Já vieram falar de uma passagem, quando falo da época em que quase ninguém tinha TV, mas na minha casa tinha. Meu pai ganhou do patrão quando casou. Os vizinhos iam lá assistir, levavam leite, pão para o lanche. Isso ajudava em casa.  São histórias de uma época e sou muito grato a Deus por ter me inspirado nessa ideia.

  • 25 de julho de 2019
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