Conheça Maria de Lourdes Portugal, que leciona há 50 anos na mesma sala de aula

08/03/2018 16:27:00


Nesta quinta-feira (08/03), o mundo exalta o empoderamento feminino. E a Prefeitura do Rio, em um momento mais do que oportuno, celebra uma servidora municipal que é exemplo de profissionalismo e amor ao que faz. Há 50 anos na mesma sala de aula, a professora Maria de Lourdes Portugal, de 70 anos, não se vê fazendo outra coisa, tampouco se permite imaginar o dia em que terá que deixar o ofício, por aposentadoria. Algo totalmente contra a sua vontade. Ao longo desse meio século no "comando" da sala 8 da Escola Municipal Paula Fonseca, em Colégio, ela viu seus alunos crescerem e se tornarem pais e mães de uma nova geração de estudantes. Nos dias de folga, quando passeia com a família, são muitos os ex-alunos que a reconhecem e se aproximam. Todos gratos pelas orientações recebidas em sala de aula e executadas na vida.

 

Por isso, a coluna "Servidor em Destaque" faz uma merecidíssima homenagem à "Tia Lourdes", como é carinhosamente chamada por todos, profissionais, alunos e ex-alunos. Temos certeza de que a vida dessa incansável professora servirá de incentivo e inspiração para muitas pessoas. Especialmente você, servidor.

 

 

 

Quem é Maria de Lourdes Furtado?

 

Moro em Colégio, sou mãe de Mariana, que é psicóloga. Prestei concurso para a antiga 5º série. Foram muitos candidatos e poucas vagas. Meus pais ficaram muito felizes quando passei. Me apresentei à Prefeitura do Rio, que na época, ficava perto da Praça XV. Aí cheguei lá, nervosa, e me indicaram a escola. Meu pai era motorista e minha mãe do lar. Mas meu pai dava muito valor aos estudos, apesar de só ter chegado ao quarto ano. Ele fazia questão de olhar os cadernos, acompanhar. Enfim, cheguei aqui e nunca mais saí. Meu coração já está apertado, porque sei que tenho que ir embora.

 

 

Como lidou com as transformações ocorridas na educação ao longo desses 50 anos?

 

Tivemos muitas mudanças, especialmente no modo de conceituar e compreender o aluno. Aprendi muito e sigo aprendendo diariamente com eles. Cada hora é uma novidade e, agora, com essa tecnologia toda, precisamos nos adaptar. A tecnologia ajuda muito. Agora, temos o Datashow, acabou o mimeógrafo e agora é xerox. Tudo isso facilitou muito o nosso trabalho. É bom quando colocamos uma música, discutimos sobre ela no telão. Os alunos estão nessa onda tecnológica e, se não aprendemos a seguir, ficamos para trás.

 

 

São 50 anos dentro da mesma sala de aula. O que a Sala 8 tem de tão especial?

 

Gosto de ficar ali. Quando entro ali, parece que estou entrando na minha casa. Passo o dia inteiro na sala. Se ela for feia, não me sentirei bem. Então, a cada ano mudo a decoração da sala. Ano passado tivemos heróis, nesse são as crianças que estão no mural. Quero me sentir bem e quero que as crianças se sintam também. E eles adoram. Costumo brincar com a Anna (Anna Karolina, diretora da unidade), que comprei aquela sala e não sairei dali. Cada ano para mim é começar de novo. As turmas são diferentes, os alunos são diferentes e as dificuldades são outras.

 

 

Quais são os maiores desafios da Educação no Rio de Janeiro?

 

Acho que a gente precisa ser mais valorizado como professor. Gostaria muito, antes de ir embora, de dizer: as escolas públicas têm muita qualidade. Isso é muito importante. Os profissionais que atuam nas escolas públicas merecem esse reconhecimento. Outra coisa, precisamos trazer as famílias para dentro da escola. Mães não devem ser chamadas só para ouvir queixas, mas para ouvir elogios a seus filhos. É importante que os pais participem do crescimento dos filhos delas. A escola também é uma família.

 

 

 

Qual a receita para lidar com os alunos mais difíceis?

 

Tudo tem que ser conversado. É preciso haver diálogo. Aproveito para destacar a importância de um bom trabalho de inclusão. No ano passado, tive problema com um aluno autista e, com o tempo, fui conquistando aquela criança. Ele não me deixava tocar nele. Depois, conseguimos estabelecer uma relação carinhosa. Os alunos ajudaram muito nesse processo e ele superou muitas dificuldades.

 

 

Que momento destacaria como marcante?

 

Ah, vivi muitas coisas. A principal delas é ser abordada por ex-alunos que seguiram à risca as orientações de vida que dei em sala. Uma pessoa veio ao meu encontro no shopping, cheio de sacolas e disse: "Olha só, comprei. Lembra que, você explicou que comprar as coisas com o nosso dinheiro é muito mais gostoso?". São coisas que a gente fala e faz que marcam a vida dessas pessoas.

 

 

O que gostaria de falar às pessoas que sonham se tornar professores, mas temem os desafios da profissão?

 

A receita é fazer aquilo que a gente gosta. Se gostamos da ideia de dar aula, temos que correr atrás e lutar por isso. É uma profissão que vale muito à pena. Mas, realmente, é preciso gostar muito.

 

 

Hoje comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Que análise faria sobre o papel da mulher hoje e que mensagem gostaria de deixar?

 

Trabalhamos, educamos os filhos, participamos da educação deles. Muitas vezes, fazemos tudo sozinhas. Precisamos ser guerreiras. Precisamos mostrar que a gente consegue. Acho que a mulher está conquistando seu espaço. Devagarinho, mas está.